16 OUT 2021
15 outubro 2021 às 22h03

O campo de forças do teatro político

Rosália Amorim

Vivemos dias de pura encenação política ou o Orçamento do Estado para 2022 pode mesmo não passar? A cada ano, sempre que o OE vem para cima da mesa dos partidos e é entregue no parlamento começa o teatro. Nada de mal nisso. Faz parte do exercício da política e quem melhor desempenhar o seu papel mais aplausos poderá ter da sua fiel plateia. Contudo, neste ano, as posições extremaram-se mais do que é habitual. A ameaça de uma crise política tornou-se evidente nos últimos dias. À esquerda, Partido Comunista e Bloco querem fazer prova de vida e mostrar ao Partido Socialista que as alianças formais ou informais não são favas contadas. E têm vindo a esticar a corda. Só fortes cedências em matéria de legislação laboral, aposta no Serviço Nacional de Saúde e incremento dos salários públicos poderão evitar que a corda rebente e anular o chumbo (já anunciado por ambos) na votação na generalidade do OE 2022, agendada para o dia 27 de outubro.

À direita, e sem surpresas, também não há um único voto favorável. Algumas das razões apontadas pelos líderes da direita são "o engordar da máquina do Estado", "o crescimento da dívida pública" e "a aposta no investimento público em detrimento do privado". O facto de todos ameaçarem com um chumbo do OE levanta um cenário de eleições antecipadas. O que o país ganharia com isso? Nada. Muito provavelmente o resultado eleitoral não beneficiaria nem PCP, nem BE e nem PSD - aliás, Rui Rio não resistiria a uma nova derrota eleitoral. E, na atual conjuntura, o PS poderia até sair reforçado.

Enquanto o partido de Rio mergulha nas feridas que abriram (ainda mais) no último conselho nacional - que chumbou a proposta de Rio para adiar as eleições diretas, com 71 votos contra 40 a favor, demonstrando que a maioria dos conselheiros está ao lado do novo candidato a líder, Paulo Rangel -, António Costa ganha tempo e tem o calendário a seu favor. Pela frente tem duas semanas de intensas negociações com a esquerda. Além de um OE virado para as causas sociais, jogam a seu favor a popularidade (a crer nas últimas sondagens) e a bazuca, arma usada na campanha autárquica. Mas a bazuca só pode ser utilizada se o país não chumbar o OE, não for gerido em duodécimos e não tiver eleições antecipadas. São demasiados "nãos" a condicionar o futuro. Dizer não ao OE, em vez de sim, teria um preço demasiado alto a pagar pelos partidos que desencadeassem a crise política. O povo não iria entender e o país iria perder. E António Costa poderia dramatizar, ao estilo Cavaco Silva (quando era primeiro-ministro), "ou eu ou o caos", para tentar uma maioria absoluta e livrar-se da geringonça. Para travar esta escalada de tensão, Marcelo Rebelo de Sousa usará, como bem sabe fazer, a sua magistratura de influência. Como afirmou, neste jogo "não há empates. Empatar é perder".