Desportos
16 maio 2019 às 15h58

Um xeque, um fundo árabe suspeito e contas mascaradas: o City tem a Champions em risco

Depois de uma investigação de um órgão independente, o caso sobre o incumprimento do fair play financeiro do Manchester City foi de novo entregue à UEFA e pode custar o afastamento da Liga dos Campeões. Documentos do Football Leaks foram fundamentais.

Nuno Fernandes

O Manchester City corre sérios riscos de poder não participar na Liga dos Campeões na próxima época. A equipa inglesa que se sagrou campeã no último fim de semana, e onde joga o português Bernardo Silva, estava a ser investigada por ter desrespeitado as regras do fair play financeiro. E esta quinta-feira soube-se que o caso foi remetido para a Câmara de Resoluções da UEFA, que em breve se irá pronunciar.

Uma primeira investigação foi feita pela Câmara Adjudicatória do Comité de Controlo Financeiro de Clubes (CFCB) da UEFA, um organismo independente, e agora devolvido à Câmara de Resoluções da UEFA. Apesar do relatório da CFCB não ser público, de acordo com notícias publicadas na imprensa inglesa, o investigador Yves Leterme (antigo primeiro-ministro da Bélgica) terá recomendado à UEFA um castigo ao Manchester City na Liga dos Campeões.

"A investigação vai focar-se em várias e alegadas violações do FFP [fair play financeiro] que foram recentemente tornadas públicas em vários órgãos de comunicação social", lia-se na nota emitida esta quinta-feira pelo organismo que tutela o futebol europeu.

O clube treinado por Pep Guardiola emitiu também esta quinta-feira um comunicado a confirmar a investigação da UEFA, recusando culpas e mostrando-se desapontado com a intervenção que está a ser feita às contas do clube: "O Manchester City está desapontado, mas não surpreendido pelo súbito anúncio feito pelo chefe de investigação Yves Leterme. Os rumores na Imprensa na semana passada revelaram que o processo estava a ser gerido pelo senhor Leterme. O City tem total confiança que o resultado final será positivo quando o assunto for analisado por um órgão judicial independente. A acusação de irregularidades financeiras é completamente falsa."

Mas afinal, o que está em causa nesta investigação? Apesar de já existirem rumores, só no dia 13 de maio uma notícia do The New York Times fez soar os alarmes. De acordo com o jornal norte-americano, a investigação surgiu na sequência de várias denúncias com base em artigos da imprensa citando documentos do Football Leaks, que alegadamente provavam o incumprimento do fair play financeiro (regras financeiras) da UEFA por parte do clube inglês que é detido pela família real de Abu Dhabi.

Segundo o New YorK Times, os investigadores teriam em seu poder e-mails e documentos internos do clube inglês que provam a existência de injeções de dinheiro de uma empresa de investimento dos Emirados Árabes Unidos. Ou seja, as regras do fair play financeiro foram quebradas através de uma inflação elevada do valor do acordo multimilionário de patrocínio que a equipa tem com uma empresa de investimento dos Emirados Árabes Unidos e também com a Etihad, a companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos que é a principal patrocinadora do clube, inclusivamente nas camisolas e que também dá nome ao estádio.

A Etihad passou a ser o principal patrocinador do Manchester City um ano depois do xeque Mansour Bin Zayed Al Nahyan ter adquirido o clube, em 2008. De acordo com uma notícia publicada no ano passado pelo jornal alemão Der Spiegel, a companhia aérea teria financiado o City em apenas 10 milhões de euros, entrando no clube cerca de 70 milhões através da tal empresa de investimento dos Emirados Árabes Unidos que tem ligações ao xeque dono do clube.

Mais de mil milhões de euros em reforços

Desde que o o xeque Mansour Bin Zayed Al Nahyan comprou o Manchester City, em 2008, já investiu mais de mil milhões de euros em contratações. Só nas duas últimas temporadas, sob a liderança de Pep Guardiola, os citizens gastaram mais de 600 milhões de euros em jogadores. Na primeira época o clube contratou futebolistas como John Stones, Gabriel Jesús e Gündogan; na época passada chegaram ao Etihad craques como Bernardo Silva, Ederson, Kyle Walker, Benjamin Mendy, Laporte e Danilo, que juntos ultrapassaram os 300 milhões de euros. No verão passado o clube foi mais comedido nas despesas, contratando como nome mais sonante Mahrez, por cerca de 70 milhões de euros.

Esta já não é a primeira vez que o clube inglês está sob a alçada disciplinar do organismo europeu. Em 2014, o City fez um acordo com a UEFA para não sofrer sanções por causa do fair play financeiro, a troco do pagamento de 49 milhões de libras. O clube ficou ainda limitado a inscrever apenas 21 atletas na edição seguinte da Liga dos Campeões.

Caso seja punido, o City pode apelar para o TAS (Tribunal Arbitral do Desporto) e assim adiar uma possível exclusão para a temporada de 2020/2021.

A regra do fair play financeiro entrou em vigor em 2011. Desde então, os clubes que se qualificam para as competições da UEFA têm de provar que não têm dívidas em atraso em relação a outros clubes, jogadores, segurança social e autoridades fiscais.

A partir de 2013 os clubes passaram a ter de respeitar uma gestão equilibrada em 'break-even', que por princípio significa que não gastam mais do que ganham, restringindo a acumulação de dívidas. Para avaliar estas questões, o Comité de Controlo Financeiro dos Clubes da UEFA (CFCB) analisa, em todas as épocas, as contas consolidadas de todos clubes - participantes nas provas da UEFA - dos últimos três anos.

A partir de junho de 2015, a UEFA atualizou os seus regulamentos para abordar circunstâncias específicas, com o objetivo de encorajar mais investimento sustentável, ao mesmo tempo que mantém o controlo sobre gastos excessivos. Se um clube não cumprir os regulamentos, o Comité de Controlo Financeiro dos Clubes da UEFA decidirá as medidas e sanções a aplicar.