06 OUT 2018
06 outubro 2018 às 06h29

O A a Z da campanha eleitoral no Brasil

De Adélio Bispo, o homem da faca, às zangas em família por causa de política, houve de tudo numa eleição marcada por um nome, Bolsonaro. Aliás, dois nomes: Bolsonaro e Lula.

João Almeida Moreira

A de ADÉLIO BISPO.

O agressor de Jair Bolsonaro entrou na história da campanha eleitoral ao esfaquear o candidato num evento em Juiz de Fora, em Minas Gerais, no dia 6 de setembro. Agindo sozinho, segundo as conclusões da polícia, colocou o já de si hipermediático presidenciável do PSL ainda mais no palco

B de BOLSONARO

Mesmo que não ganhe as eleições, 2018 será o ano de Jair Bolsonaro, até há uns anos apenas um deputado do baixo clero de Brasília, mais conhecido pelas declarações bombásticas acolhidas por um nicho de radicais, do que por projetos ou ações políticas de relevo. Uma conjugação de fatores - o conservadorismo eterno das elites endinheiradas do país, o cansaço do PT e da esquerda e os efeitos colaterais da Operação Lava-Jato, entre outros - transformaram-no num blockbuster ​​​​​​​político.

C de CELA

C de cela e também de cama de hospital. Do roteiro das eleições de 2018 farão parte, necessariamente, a acanhada cela de 15 metros quadrados, em Curitiba, de onde Lula da Silva preparou com rigor matemático cada passo do PT, e o quarto de um hospital paulistano onde Bolsonaro passou boa parte da campanha a corrigir as declarações dos seus colaboradores.

D de DILMA

Ela não morreu. Pelo contrário, a ex-presidente lidera a corrida a um cargo no Senado pelo seu estado de nascimento, Minas Gerais, e já se fala em vir a assumir a presidência da casa se o PT garantir a maioria dos senadores.

E de EX-MULHER

Ana Cristina Valle entrou na campanha de rompante, através de uma capa da revista Veja em que revelava que o ex-marido, Jair Bolsonaro, ocultava património e sonegava impostos, além de ter furtado um cofre dela com joias e manter um comportamento agressivo. Sucede que essas acusações eram de 2007, aquando do divórcio entre ambos, e que hoje ela, além de atribuir essas palavras à raiva do momento, é fervorosa apoiante da candidatura do capitão do exército.

F de FHC

Fernando Henrique Cardoso nunca passa ao lado de uma eleição no Brasil, até por ter vencido duas ainda na primeira volta, em 1994 e 1998. Hoje, com 87 anos e reserva moral do PSDB, teve a sensatez de prever por antecipação um problema bicudo para os moderados de direita: na eventualidade de uma segunda volta entre PT e Bolsonaro, quem devem eles apoiar? O problema segue sem solução na cabeça de muitos militantes do PSDB.

G de GENERAL MOURÃO

O candidato a vice-presidente na lista de Bolsonaro cometeu duas das maiores gafes da campanha: disse que filhos criados por mães e avós, sem a presença masculina, são matéria-prima para o crime, ofendendo as famílias - 42% do total - chefiadas só por mulheres, e ainda prometeu acabar com o 13.º mês [ver J].

H de HADDAD

Em 2016 perdeu, com estrondo, a eleição para a recondução como prefeito de São Paulo mas dois anos depois tem a possibilidade de redenção como sucessor de Lula na corrida presidencial. Da ala moderada e intelectual do PT sofre com a pressão e a desconfiança dos barões do partido nascidos do sindicalismo.

I de IURD

O apoio explícito de Edir Macedo, uma das principais lideranças do influente setor evangélico da sociedade, a Bolsonaro já teve efeitos: no mesmo dia em que sete candidatos debatiam na TV Globo, o presidenciável do PSL teve direito a uma entrevista dócil, à mesma hora, na TV Record, propriedade da IURD. Bolsonaro acredita que, uma vez eleito, a emissora possa estar para ele como a Fox News está para Donald Trump.

J de JABUTICABA

Jabuticaba é um saboroso fruto que, consta, só existe no Brasil. Por isso usa-se a expressão, em tom pejorativo, "isso é uma jabuticaba", quando se quer sublinhar que alguma coisa não teria cabimento em mais lado nenhum do mundo - como a tomada de três buraquinhos que exige uso de adaptadores, por exemplo. Ora o general Mourão [ver G] disse, para choque geral, que "o 13.º mês é uma jabuticaba", ignorando que o benefício é repetido em centenas de lugares.

K de KIT GAY

Data de 2011 o primeiro confronto entre Bolsonaro e Haddad. Na altura, o deputado de extrema-direita insurgiu-se contra o que chamou de kit gay, um conjunto de artigos, supostamente incluindo o bestseller francês Le Guide du Zizi Sexuel, que introduzia o conceito da ideologia de género a adolescentes, distribuído nas escolas pelo Ministério da Educação. Haddad era o ministro.

L de LULA

Está impedido, pelos tribunais, de concorrer. E de participar na campanha. E de dar entrevistas. E até de votar. No entanto, o líder espiritual da esquerda brasileira ainda influencia, e de que maneira, a política do seu país da cela na superintendência da polícia federal em Curitiba.

M de MORO

Sergio Moro teve um dissabor e cometeu um deslize na campanha. O dissabor é ver o candidato de quem é amigo e eleitor, o também paranaense Álvaro Dias, oscilar entre dois e três pontos nas sondagens. E o deslize foi soltar para a imprensa na última semana de campanha a delação de um ex-ministro de Lula, muito dura para o antigo presidente, que já tinha em seu poder desde junho. Tem agora de responder no Conselho Nacional de Justiça pela atitude.

N de NOTÍCIAS FALSAS

"O PT distribui biberons às crianças com um bico em forma de pénis", diz a notícia, com foto de Haddad a segurar o objeto e tudo, para ilustrar. Notícia falsa e montagem fotográfica, claro. A criação de fake news revelou-se uma poderosa indústria durante a eleição, com destaque, muito destaque, para a campanha de Bolsonaro nesse particular.

O de ÓDIO

Nunca antes em eleições brasileiras foi tão repetida a palavra "ódio". Os rivais de Bolsonaro acusam-no de levá-la para o ringue eleitoral e os opositores do PT atribuem à atuação do partido ao longo de anos o clima de hostilidade no Brasil de hoje.

P de PATRIOTAS

O Patriotas, partido de extrema-direita, tem cinco deputados no Congresso, número que obriga, por lei, o seu candidato a participar dos debates televisivos. E, assim, o Brasil conheceu o cabo Daciolo, bombeiro e fanático religioso, que inicia todas as frases com um "Glória a Deus" e passou metade da campanha a jejuar num monte. Para Daciolo, "a vitória é certa, com a glória de Deus, com 51% dos votos logo na primeira volta". As sondagens dão-lhe entre 0% e 1%, no entanto [ver U].

Q de QUARTEL

Caso eleito, o capitão Bolsonaro e o seu candidato a vice general Mourão vão ter um governo composto maioritariamente por militares, prometeu o líder das sondagens. O Brasil viveu sob ditadura militar de 1964 a 1985.

R de REJEIÇÃO

São 45% os eleitores brasileiros que afirmam nas sondagens "não votar, de jeito nenhum" em Jair Bolsonaro. E são 40% os eleitores brasileiros que afirmam "não votar, de jeito nenhum" em Fernando Haddad. O eleitorado move-se mais por rejeição e menos por aprovação aos principais candidatos.

S de SONDAGENS

A última conhecida, da Datafolha, dá a Bolsonaro 39% dos votos válidos e a Haddad 25%. Ciro Gomes (PDT) tem 13%, Geraldo Alckmin (PSDB) 9% e Marina Silva (Rede) 4%. O outro instituto de pesquisas importante, o Ibope, coloca Bolsonaro com 38%, Haddad com 28% e os restantes com 12%, 8% e 4%, respetivamente.

T de THE ECONOMIST

Apesar de o mercado interno reagir com euforia a cada sondagem positiva para Bolsonaro - no dia da sua maior subida nas intenções de voto, a bolsa atingiu o valor máximo em cinco meses e o dólar caiu abaixo dos quatro reais -, as referências internacionais da área alertam para "o desastre" que seria um governo do capitão, segundo a The Economist, e sublinham que "seria muito mais nocivo para a economia um governo chefiado por Bolsonaro do que por Haddad".

U de URSAL

Tornou-se a primeira grande piada das eleições, logo no debate inaugural, na TV Bandeirantes. O cabo Daciolo [ver P] acusou Ciro Gomes de querer criar a URSAL, iniciais de União das Repúblicas Socialistas da América Latina. Camisas com a inscrição "URSAL" tornaram-se uma atração no mercado.

V de VIADO DA BIKE

O Viado da Bike, do Solidariedade, figura típica de Belém do Pará, por onde circula de bicicleta e gestos efeminados (viado é calão para homossexual) fica na história da eleição de 2018 como um dos candidatos mais bizarros. Além do Vai Ser Rico, do Índio do Século XXI, da Hilda da Maçã do Amor, do Agora É Nóis, do Rock Cabeludo, do Bonitão, da Maria Sou do Povo, da Feirante Negona, do Carlão Loko, do O Papai Chegou, da Loura do Boticário, da Estrela que Brilha, do Cachorrão, do Buscando o Imponderável, do Boca Aberta, da Olga um Beijo e um Queijo, do Alceu Dispor 24 Horas, do Superman e do Clark Crente.

W de WHATSAPP

Durante meses os candidatos fizeram e desfizeram alianças e coligações em guerras intermináveis de bastidores. O objetivo era ter o maior número de partidos do seu lado, porque cada sigla vale o seu peso parlamentar em tempo de antena. Alckmin ganhou a corrida, atraindo seis partidos e assim garantindo mais minutos de TV do que toda a gente. No modesto PSL, e só coligado com o ainda mais modesto PRTB, Bolsonaro não teve mais do que míseros oito segundos. E, no entanto, lidera as sondagens com o quádruplo dos votos de Alckmin. O segredo está na aposta nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens como o WhatsApp.

X de XENOFOBIA

Bolsonaro escapou, por apenas um voto, de ser condenado pelo Supremo por racismo e xenofobia durante a campanha. Em causa, declarações contra quilombolas, habitantes de quilombos, comunidades rurais com descendentes de africanos. "O afrodescendente que eu vi num quilombo pesava pelo menos sete arrobas e já nem para reproduzir servia mais", afirmou. Noutra ocasião, o general Mourão [ver G] associou negros "a malandragem" e índios a "indolência".

Y de YOUTUBER

E Michel Temer? O ainda presidente da República transformou-se em doença eleitoral contagiosa. Nem Henrique Meirelles (MDB), candidato pelo seu partido e seu ministro das Finanças, nem Alckmin, cujo partido, o PSDB, apoiou o seu governo, quiseram ser associações a ele. Magoado, o presidente reagiu em vídeos publicados, para surpresa geral, no YouTube, assombrando desse modo as campanhas de Meirelles, Alckmin e quem mais o renegasse.

Z de ZANGAS

Desde o impeachment de Dilma, em 2016, que o país já dava sinais de acentuada polarização a que se chamou de clima "Fla-Flu". Nesta campanha, a polarização agravou-se além do imaginável. Há amigos de décadas que rompem, pais e filhos que deixam de almoçar em família, netos que não veem os avós, irmãos que já não se frequentam.