Poder
10 julho 2019 às 21h05

Serviços públicos, impostos e maioria absoluta. Começou a campanha para as legislativas

Costa agradece à geringonça, mas assinala méritos do PS. Bloco aponta baterias à maioria absoluta dos socialistas, PCP diz que se podia ter ido mais longe. Direita faz retrato negro do país e põe propostas em cima da mesa

Paula Sá e Susete Francisco
Paula Sá e Susete Francisco

Foram mais de quatro horas de debate, para fazer o balanço de quatro anos, mas já com os olhos postos nas legislativas de outubro. Da ´geringonça´ à direita, já se limpam armas para a campanha eleitoral que se avizinha. E, sobre todos os outros, houve um duelo que se destacou - Bloco de Esquerda versus PS.

Sabendo que os resultados de outubro podem ditar a necessidade de novos acordos, Costa até abriu o debate com um elogio à solução governativa encontrada em 2015, fazendo uma "saudação" aos grupos parlamentares do PS, BE, PCP e PEV por "terem ousado derrubar um muro anacrónico" que até 2015 impediu acordos à esquerda.

Catarina Martins, líder do BE, também disse que faria tudo de novo, mas rapidamente assestou baterias ao PS. "O programa do governo não foi só do PS, O PS queria congelar pensões e prestações sociais. O acordo com o BE ditou o fim de corte de ordenados e subida de salário mínimo nacional", afirmou, logo numa intervenção inicial, assacando ao Executivo a responsabilidade pelo que correu mal: "O governo falhou nas áreas em que os acordos foram menos concretos, no investimento do Estado, no empobrecimento nas áreas, da Saúde e da Educação".

A líder bloquista não ficou sem resposta do primeiro-ministro, que também carregou no tom: "A pior coisa que podíamos fazer era entender que tudo o que é bom dependeu de cada um de nós, e tudo o que é mau ficou a dever-se aos outros"- "Isso é muito injusto para o PEV, para o PCP, é muito injusto até para o PS".

"Temos que assumir por inteiro o passivo e o ativo desta legislatura", ripostou o líder do Executivo. "Fomos mais longe do que tínhamos previsto e mais longe do que os nossos parceiros queriam porque gerimos bem", haveria de dizer mais à frente, em resposta a outra intervenção bloquista - e por várias vezes as respostas de Costa ao BE tiveram o respaldo da bancada socialista, que fazia questão de aplaudir os remoques do líder do Executivo ao BE.

O despique entre bloquistas e socialistas continuou com a intervenção de fundo de Catarina Martins, que apontou à ambicionada maioria absoluta do PS. Não podia ser mais clara: "Não podemos voltar à política das maiorias absolutas que nos perderam". "Que bloqueios incomodam o PS?", questionou ainda, numa referência às declarações de Carlos César, líder parlamentar do PS, que recentemente pediu mais força para o PS, para prosseguir um caminho "sem bloqueios, constantes dificuldades, sem inércias".

Tom diferente com os comunistas

Com o PCP, a discussão foi mais cordial e menos centrada em despiques eleitorais. Jerónimo de Sousa não se afastou do que tem sido o discurso dos comunistas: nos últimos quatro anos foram dados passos positivos, suscitados ou com o contributo decisivo do PCP, mas muito mais poderia ter sido feito. E se isso não aconteceu foi porque o Governo foi mais "papista que o Papa" no cumprimento do défice. Mas Jerónimo de Sousa, por duas vezes, e mais tarde a deputada Rita Rato, não deixaram em branco a questão das leis laborais, numa altura em que está ainda a votos a proposta de lei do Governo que traduz o acordo firmado o ano passado na Concertação Social.

"Era possível ir mais longe, ficaram problemas por resolver e expectativas por concretizar", sublinhou o líder comunista, destacando que o PS "insiste em manter um quadro degradado de direitos laborais".

Costa nem se aproximou do tom ríspido que usou com o Bloco de Esquerda: "Enquanto há caminho continuemos a caminhar. Quem se mete por atalhos mete-se em trabalhos". Já quanto às leis laborais, a resposta não podia ficar mais longe das visão e das pretensões do PCP - "E a primeira desde 1976, que aprovamos uma legislação que não comprime os direitos dos trabalhadores".

"O PSD ganhará as eleições"

À direita, o PSD foi mais contundente nas críticas ao Governo. "Não houve uma reforma digna desse nome" nesta legislatura, acusou Fernando Negrão, apontando "o estado calamitoso em que o Governo deixou os serviços públicos", a par de uma "carga fiscal absolutamente asfixiante".

Afirmando que o Executivo "governa em permanente modo de reality show", o líder parlamentar social-democrata diria depois que "há excesso de confiança" nas hostes socialistas e disse que pode haver "uma surpresa" nas próximas legislativas" - "O PSD ganhará as eleições".

O discurso de Negrão não se fez apenas de críticas ao Governo, com o dirigente social-democrata a levantar a bandeira da redução dos impostos já prometida pelo líder do partido, Rui Rio, bem como a recuperação dos serviços públicos mediante o aumento do investimento público. Da bancada do PS, coube ao ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, contrapor aos sociais-democratas: "Nunca sabemos que PSD vai aparecer. O que critica os aumentos na despesa corrente do Estado ou o que critica os cortes na despesa corrente do Estado?".

Cristas quer menos IRC

Muito longe dos ataques ferozes à política da geringonça, embora ainda com críticas à governação, a líder do CDS preferiu centrar quase toda a sua intervenção nas propostas que o seu partido fez durante a legislatura e as que promoverá no programa eleitoral. Assunção Cristas fez mesmo um anúncio em pleno plenário, que se vai bater pela descida do IRS, mas sobretudo para que o IRC, o imposto aplicado às empresas, desça em seis anos para os 12,5%.

Assunção quis ainda lançar uma farpa ao PSD, assumindo que o CDS fez durante quatro anos, "quase sozinho" as despesas de oposição ao governo. Ou seja, indiretamente lembrava que Rui Rio, o líder do PSD, esteve sempre mais disposto a entender-se com os socialistas, em particular nos acordos que celebrou para a descentralização e fundos europeus.

Centeno contra "leilão de promessas"

Se Costa abriu o debate com uma longa exposição das medidas tomadas nesta legislatura, fez também questão de assinalar: "Não quero ser mal entendido. Não vivemos num oásis, num país cor de rosa. O balanço positivos destes quatro anos não nos permite esquecer os problemas que existem". Mas foi muito mais de balanço positivo que de problemas que foi feito todo o discurso do Governo e do PS, o que viria também a ser notório no discurso do líder parlamentar socialista.

Na intervenção de fundo, Carlos César deixou também claro que não haverá cedências dos socialistas quanto às parcerias público-privadas na Saúde, ao destacar a importância da "colaboração da iniciativa privada" - e com "prioridade em áreas cuja exaustão é mais notória, seja na Saúde, seja noutros setores". Subtexto: as PPP não vão ser proibidas na Saúde. Ou seja, a Lei de Bases para o setor vai ficar pelo caminho.

O Governo também aproveitou o debate do Estado da Nação para fazer um anúncio, com o ministro do Trabalho, José Vieira da Silva, a garantir um reforço do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, de 1,3 mil milhões de euros, até final do ano.

Já o ministro das Finanças, Mário Centeno, encerrou o debate, também ele com uma saudação à geringonça, mas não deixando de assacar ao Governo socialista o que diz serem os méritos desta legislatura - melhores serviços públicos, mais investimento, a descida dos números do desemprego. "Esta é a legislatura da confiança, emprego e contas certas", defendeu o titular das Finanças, deixando uma mensagem à direita e à esquerda, para que não se entre agora em "leilões de promessas eleitorais" - "Isso foi a política do passado".

Centeno acabou a citar o histórico socialista Manuel Alegre, recebendo no final a maior ovação da tarde da bancada socialista - e, ao contrário da habitual contenção dos membros do governo face aos aplausos, Centeno manteve-se em pé durante uns momentos a agradecer, e até fez uma ligeira vénia aos deputados socialistas.