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11 MAI 2019
11 maio 2019 às 06h29

Costa mantém pontes à esquerda... e direita escapa porque crise durou pouco

Consciente de que a campanha de Pedro Marques não descola, Costa dará o máximo de si ao lado do candidato do PS. Por ele a crise tinha durado mais um pouco. PSD e CDS passaram ao lado do seu eleitorado? E irão ser ou não penalizados por isso?

João Pedro Henriques e Paula Sá
João Pedro Henriques e Paula Sá

Finda a chamada "crise dos professores", António Costa vai voltar à campanha eleitoral para as eleições europeias, acompanhando o cabeça de lista do seu partido, Pedro Marques. O plano, segundo o DN apurou, é simples: o secretário-geral do PS só não estará onde não puder mesmo devido às suas obrigações como primeiro-ministro.

Ou, dito de outra forma: António Costa vai pôr a carne toda no assador, tentando ser o ás de trunfo que dará a vitória a uma candidatura que, por mais que a pista vá ficando cada vez mais curta, insiste em não descolar (as eleições estão marcadas para 26 de maio).

Ontem à noite, esteve num jantar-comício em Leiria; hoje dará um salto a Madrid para, enquanto primeiro-ministro, participar nas cerimónias do ex-vice-presidente do governo espanhol (e ex-líder do PSOE) Alfredo Pérez Rubalcaba; no domingo, mudando de farda outra vez, rumará a um almoço de campanha em Mangualde, onde estará presente Frans Timmermans, o holandês candidato dos socialistas europeus a presidente da Comissão Europeia; no dia seguinte, segunda-feira, nova mudança: como primeiro-ministro participará em mais um debate quinzenal na Assembleia da República.

Este será o primeiro grande debate parlamentar depois do fim da crise política que Costa abriu há uma semana, quando ameaçou demitir-se caso o Parlamento aprovasse um decreto consagrando - mesmo que muito a longo prazo - o pagamento integral aos professores do tempo de carreira que lhes foi congelado (nove anos, quatro meses e dois dias). Ontem, na votação, alegando a ausência de "travões financeiros", o PSD e o CDS juntaram-se ao PS a votar contra a versão final do diploma, chumbando-o. Bloco, PCP e PEV votaram a favor; o PAN absteve-se. Mais cedo do que esperava inicialmente, Costa ficou sem razões para dar sequência à crise iniciada na sexta-feira passada, ou seja, não se demitiu.

O período oficial de campanha começará na segunda-feira e o tema da "crise dos professores" deverá desaparecer - pelo menos isso será do interesse de todos os partidos menos do PS. Paulo Rangel voltará a ser o cabeça-de-cartaz na afirmação pública do PSD. E voltará a ter espaço para voltar aos seus temas de campanha preferidos. Por exemplo: um suposto fracasso do governo - e em particular do cabeça-de-lista do PS, Pedro Marques, enquanto ex-ministro do Planeamento - na negociação do próximo quadro comunitário de apoio (fundos europeus).

Quanto a António Costa, o que o preocupa é, acima de tudo, prosseguir a tarefa de ir matando o fantasma de José Sócrates que paira sempre sobre a imagem da governação socialista (por causa da quase bancarrota de 2011 e por causa da Operação Marquês).
O primeiro-ministro está convicto, desde que perdeu as legislativas de 2015 para a PAF (coligação PSD+CDS), de que isso aconteceu precisamente porque o PS ficou "marcado" na memória popular como um partido de más contas na gestão do erário público.

O que procura, então, é justamente contrariar essa ideia, consolidar no espaço público um outro registo para o PS. Como ontem disse Carlos César: "Queremos que os portugueses tenham confiança no PS na sua capacidade de gerir as finanças públicas do país, compatibilizando boa gestão com a dimensão social na qualidade da governação."

No Bloco de Esquerda e no PCP, o desenlace da "crise dos professores" tenderá a dar mais lastro aos setores dos dois partidos que põem em causa os acordos com o PS e a solução da geringonça. Os dois partidos mantiveram-se durante toda a crise onde sempre estiveram: a favor do pagamento integral aos professores de todo o tempo de carreira congelado. Mas objetivamente perderam a guerra e intuem que o PS pode ter dado um passo importante no sentido da maioria absoluta, ao abocanhar parte do espaço do PSD.

Direita (também) escapa porque a memória é curta

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O teste do algodão, no caso uma sondagem para medir a empatia dos portugueses com o problema da recuperação do tempo total de carreira dos professores, publicada nesta semana, não engana. Mostra que estão mais com o governo do que com os partidos que apoiaram a medida, entre os quais o PSD e o CDS. Terá esta dessintonia efeitos eleitorais negativos para a direita, a poucos dias das europeias?

"Uma crise com três ou quatro dias não muda o sentido de voto", afirma o politólogo Pedro Adão e Silva, mas admite que "tem implicações políticas porque gera confusão" entre os eleitores tradicionais de PSD e CDS, o que pode motivar maior desmobilização. E a abstenção nas eleições europeias ultrapassa a fasquia dos 60%.

Ainda assim, Pedro Adão e Silva sublinha que Rui Rio e Assunção Cristas, apesar da má gestão inicial deste processo, conseguiram fazer que a crise não durasse muito tempo. "Se não têm travado poderia começar a ter um efeito negativo", que seria ainda mais mitigado caso o líder do PSD tivesse logo no sábado clarificado a posição do partido de fazer depender a votação da recuperação do tempo de carreira dos professores das condições que esta sexta-feira levou a votação a plenário, tal como o CDS, e foram chumbadas.

citacao "Quem falava há pouco tempo em défice zero não podia estar agora a aprovar uma medida que aumentava a despesa do Estado anualmente."

O comentador político Pedro Marques Lopes partilha desta visão de que o facto da crise ter tido perna curta não afetará nenhum dos partidos à direita. "A memória do eleitorado é curta." Mas adverte: "Tudo depende se o PS e António Costa o explorarem contra o PSD e o CDS com insistência." Admite que Rui Rio possa ser o mais beliscado porque o primeiro-ministro conseguiu fazer passar a mensagem, que acabou por ser absorvida por vários comentadores políticos, como também diz o politólogo José Adelino Maltez, que o líder do PSD entrou em contradição com a habitual imagem de rigor orçamental. "Quem falava há pouco tempo em défice zero não podia estar agora a aprovar uma medida que aumentava a despesa do Estado anualmente. Politicamente não importa se são 800 milhões como diz o governo ou 400. O que importa é a sensação que fica", argumenta.

Indiferente à sensação, Rui Rio manteve que teria condições para negociar a devolução do tempo de serviço dos professores numa legislatura, desde que o crescimento real se mantivesse na ordem dos 2% e não fosse devolvido em dinheiro.

citacao "Na guerra da perceção ganhou António Costa, que nesta matéria tem mais simpatia do eleitorado"

Mas foi da perceção que a maioria do eleitorado não é favorável à causa dos professores que o primeiro-ministro alimentou a ameaça de demissão do governo. "Na guerra da perceção ganhou António Costa, que nesta matéria tem mais simpatia do eleitorado", afirma José Adelino Maltez.

O antigo vice-presidente da bancada social-democrata José Eduardo Martins diz que Costa fez um "exercício de campanha eleitoral", à custa da "inexperiência" dos deputados da comissão de Educação que deixaram que a votação permitisse uma leitura equívoca. Mas ao PSD assaca a responsabilidade de ir mais longe do que apoiar e condicionar a proposta de reposição do tempo de serviço dos professores. "O que o PSD deveria ter apresentado era uma política séria sobre os vencimentos da administração pública e não ir atrás de medidas que não são justas nem equitativas", frisa.

No CDS as ondas de choque também se fizeram sentir, com a própria líder a admitir que as coisas correram mal, depois de António Pires de Lima ter disparado contra a posição de Assunção Cristas.