27 abril 2017 às 00h00

"Portugal campeão europeu foi uma bela notícia para o futebol"

Francisco Maturana, treinador colombiano de grande sucesso principalmente ao serviço da sua seleção nos Mundiais 1990 e 1994, está em Portugal para participar no congresso organizado pelo Sporting The Future of Football. E falou ao DN

Bruno Pires

Treinou futebolistas de exceção como Higuita, Valderrama, Asprilla, Simeone. Como era lidar com jogadores de classe mundial?

Os jogadores de classe mundial são aqueles com quem temos mais facilidade em trabalhar. São íntegros. Quase sempre são doces, flexíveis e são exemplos. Se um jogador que se diz bom pretende um tratamento especial, está a convidar o grupo ao caos. Tive sorte porque os atletas que me tocaram foram sempre os mais doces.

Qual foi o melhor que treinou?

É um exercício difícil [risos], treinei grandes jogadores que eram grandes pessoas. Não tenho em mente que nenhum jogador me tenha falhado e do contrário também não.

Revele-nos uma história que o tenha marcado com um desses grandes futebolistas que treinou.

Vou contar-lhe uma com Cholo Simeone quando o treinava no Atlético de Madrid. Eu estava a enfatizar e a explicar uma nuance tática e o Cholo interrompeu-me... "Paco, basta, quem não entende isto só pode jogar futebol na rua." Cholo é um daqueles jogadores braço armado do treinador que acreditam na tática e que a defendem de capa e espada.

O assassínio de Andrés Escobar após o autogolo no Mundial 1994 foi o momento mais difícil por que passou?

Andrés não foi assassinado porque fez um autogolo ou porque havia um plano para o abater. Nessa altura todos os dias eram assassinadas 10, 12 pessoas na Colômbia. E naquele dia tocou a Andrés. Mas ele não era o alvo porque fez um autogolo como não foi um médico, uma professora ou um taxista. Naquela altura matava-se qualquer pessoa na Colômbia.

O que faltou à Colômbia para ganhar um Mundial?

A história tem um papel importante. A Colômbia foi ao Mundial 1962 e só voltou 28 anos depois, em 1990, em Itália. Não ganhou, mas deixou uma mensagem ao universo futebolístico pela forma como quis jogar. A Colômbia tinha talento e nesse Mundial muitos já nos viam como campeões, mas faltava algo: a história. Em 2010, a Espanha ganhou o Mundial. Quantos anos tentou e andámos a ouvir falar da fúria espanhola? Há países em que o caminho para o sucesso é mais longo porque não têm a história de um Brasil, de uma Argentina, de uma Alemanha.

Então ficou surpreendido por Portugal ter vencido o Europeu?

Portugal campeão europeu foi uma grande notícia para o futebol. Porque entrámos numa etapa depois do domínio espanhol em que o futebol parecia que só era possível a construir de trás, com posse de bola, pressão alta... Portugal tornou-se uma autoridade, porque mostrou que há outra forma de jogar futebol e mandou para férias o tiki taka. Agora respiramos melhor porque parecia que o futebol estava circunscrito ao tiki taka.

Alguma vez recebeu uma proposta de um clube português?

Nunca, tive azar.

Portugal teve sempre grandes jogadores colombianos como Falcao, Jackson, Guarín, Montero. Foi positivo para eles entrarem na Europa pela porta portuguesa?

Portugal hoje é um cenário de luxo. Qualquer jogador que queira vir para Portugal sabe que vai encontrar um país onde se faz um trabalho sério. Sinto que Portugal, e não digo isto para ser simpático, é um ponto de partida espetacular. E não só de partida... até para fazer carreira. Portugal é um país com gente respeitosa, que ama o futebol e onde se pode crescer pessoal e profissionalmente.