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Desporto
13 outubro 2021 às 05h00

Duplo amputado escala montanha de 8000 metros só com a força dos braços

Rusdam Nabiev, militar russo, perdeu as duas pernas em 2015 quando o quartel onde estava ruiu. No dia 2 de outubro chegou ao topo da Manaslu (Nepal), a oitava montanha mais alta do mundo. Foi o primeiro duplo amputado a conseguir tamanha façanha.

Rustam Nabiev, de 28 anos, tornou-se há poucos dias no primeiro duplo amputado a escalar uma oito mil, como são conhecidas as montanhas com mais de 8000 metros. A montanha em causa foi a Manaslu (a oitava mais alta do mundo), situada no Nepal, que tem uma altura de 8.163 metros. Nabiev chegou ao topo no dia 2 de outubro, numa expedição de 35 dias em que contou com o auxílio de cinco sherpas.

"Durante este tempo caminhei sobre as minhas mãos umas 50 horas e 35 quilómetros, e dei mais de 105 mil golpes com a picareta no gelo. Isto é possível? Como consegui aguentar? De onde me veio tanta força? São questões que coloco a mim mesmo", desabafou o alpinista russo na rede social Instagram.

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"Quase ninguém acreditava em mim. Todos se mostraram céticos, sobretudo os alpinistas profissionais. Mas tinha muita confiança em mim, nas minhas forças e capacidades. Sabia que ia ter forças para chegar ao fim e aguentar, apesar de muitos duvidarem de mim. Quando cheguei ao topo não tinha emoções. Não me apercebi logo do feito. Estava em cima da oitava montanha mais alta do mundo apenas com o auxílio das minhas mãos. A primeira coisa que disse foi "tenho muito medo de alturas". Foi um trabalho titânico", acrescentou.

A vida de Rustam Nabiev mudou radicalmente no verão de 2015, com apenas 22 anos. Numa madrugada de julho, o quartel de Omsk, na Sibéria, onde se encontrava numa missão militar, ruiu totalmente. Um total de 42 militares ficaram soterrados nos escombros. 23 acabaram por morrer e 19 ficaram feridos. Neste último grupo estava Nabiev.

A tragédia, provocada pela má qualidade do edifício que tinha sofrido obras um ano antes, custou ao militar a perda das duas pernas. "Perdi as duas pernas mas não me perdi", é uma das frases motivadoras que tem escritas nas redes sociais, e que demonstram bem a sua valentia e capacidade de superação. Tal como uma tatuagem no corpo que diz "Sem Desculpas".

Nabiev foi obrigado a aprender a viver sem pernas. Mas nunca se rendeu ou deixou abater. E começou a sonhar com a escalada de uma oito mil há cerca de um ano. Fê-lo sem ajuda de próteses, unicamente utilizando a força dos seus braços e com o auxílio de elementos da expedição em caminhos mais complicados: "Não acreditavam no meu sucesso, mas a verdade é que no dia 2 de outubro, às 10.00 da manhã, lá estava eu em cima da Manaslu, a escrever uma nova página da história do montanhismo, ao converter-me na primeira pessoa a escalar uma oito mil só com a forças das mãos."

Nesse mesmo dia de noite, já com o objetivo cumprido, Nabiev não conseguiu aguentar as lágrimas: "Quando fomos para o acampamento não conseguia dormir. Estava a digerir aquilo tudo. De repente comecei a chorar. Chorei durante uma meia hora. Eram todas as emoções acumuladas."

Quando perdeu as pernas, Rustam começou a jogar hóquei no gelo sobre trenós. A sua equipa, inclusivamente, chegou a vencer a Taça Continental Europeia de hóquei sobre trenó, ganhou uma medalha de bronze no campeonato russo da modalidade e um ouro nos Campeonatos Europeus na Polónia e no Aberto de Malmo, (Suécia), em 2018. "Nunca me tinha interessado por hóquei antes, nem tinha jogado. Nem sequer sabia as regras. Mas tinha que fazer alguma coisa após a lesão. O principal era não ficar em casa", contou.

Na altura até criou um blogue (hoje utiliza o Instagram, onde tem quase dois milhões de seguidores), com o objetivo de motivar outras pessoas com problemas idênticos a não desistirem, e provar que "a deficiência não é uma sentença de morte, mas sim uma nova página de uma nova vida".

"Cheguei a receber cartas de pessoas a dizer-me que as impedi de cometer o pior erro das suas vidas, que era acabar com a vida. É muito bom saber que meu exemplo ajuda os outros a não desistir. Só isso faz valer a pena sobreviver e lutar", disse.

Nabiev já tinha escalado em 2020 o Monte Elbrus, na Rússia. Depois meteu na cabeça que tinha que tentar uma oito mil e cumpriu a promessa no dia 2 de outubro.

O feito, além de toda a transcendência devido à sua deficiência, teve uma dedicatória muito especial: Rusdam dedicou a "vitória" à sua mãe, que esteve sempre presente durante a expedição em forma de fotografia, religiosamente guardada num bolso do fato.

nuno.fernandes@dn.pt

Tópicos: Montanhismo, Desporto