20 junho 2018 às 01h13

O videoárbitro tornará o Campeonato do Mundo melhor, mas não mais tranquilo

Ao contrário da UEFA e da Liga inglesa, a FIFA decidiu adotar o sistema VAR no torneio da Rússia, para se evitarem erros como a famosa de mão de Deus de Maradona no Mundial de 1986 disputado no México

Christopher Clarey
Christopher Clarey

Se as autoridades do futebol pensaram que a introdução do vídeo para ajudar os árbitros neste Campeonato do Mundo acabaria com as disputas, estavam enganadas. Veja-se algumas das manchetes de domingo, um dia depois de a França ter derrotado a Austrália por 2-1 com a ajuda de um penálti concedido após a análise do videoárbitro (VAR): ""Eu tinha a bola": a falta de Risdon vale um penálti do VAR", gritou o jornal The Sydney Morning Herald. "Mat Ryan acha que a Austrália foi lesada", lia-se no The Guardian.

Claramente, mesmo após a pequena fortuna investida em tecnologia e treino, o sistema de videoárbitro, conhecido como VAR (sigla em inglês), não é uma panaceia.

A nível de clubes, a Premier League inglesa, a competição de futebol mais prestigiada do mundo, e a UEFA, que tutela a Liga dos Campeões, ainda não estão prontas para se comprometer com o videoárbitro.

Mas isso não significa que a FIFA, o órgão dirigente do desporto, muitas vezes indigno de confiança, esteja no caminho errado. Haverá sobressaltos, talvez até mesmo um acidente ocasional, mas o uso da repetição de imagens em situações críticas, que é ao que o VAR se deve limitar, ainda é a melhor oportunidade de tornar o Campeonato do Mundo e o desporto um acontecimento mais justo.

Tem havido muitos erros, muita confiança perdida ao longo das décadas para se pensar de outra forma. O golo da mão de Deus de Diego Maradona contra a Inglaterra no Campeonato do Mundo de 1986 pode ter sido muito interessante, mas também foi uma farsa e uma chamada de atenção violenta.

Até mesmo Maradona concorda agora que tentar evitar uma repetição é o passo certo, e isso é ainda mais necessário num cenário de meios de comunicação em que qualquer adepto com acesso a um ecrã pode ver repetição atrás de repetição de momentos e decisões cruciais. Os árbitros, até agora, têm estado presos no tempo real e na confusão do momento e têm de julgar as ações de jogadores que treinaram a vida inteira, em alguns casos, para serem atores dramáticos de classe mundial. "Estamos apenas no início, mas estamos convencidos de que o videoárbitro será benéfico para o futebol porque o comportamento vai mudar", disse Pascal Garibian, diretor técnico de arbitragem francês, em entrevista neste mês à revista France Football.

O exemplo de outras Ligas

Já há algumas provas disso. A Major League Soccer (liga norte-americana de futebol), a Liga portuguesa e a Bundesliga alemã estão entre as primeiras a adotar o videoárbitro e a cada semana elas resolvem mais alguns problemas. A Série A italiana utilizou o videoárbitro na última época pela primeira vez. De acordo com a Liga, que comparou dados com a época anterior, os erros de arbitragem caíram de 5,78% das decisões para menos de 1%. As expulsões caíram 7,1%. E, numa nota particularmente encorajadora, a simulação, também conhecida como mergulho, caiu 35,3%.

Entretanto, a quantidade de tempo em que a bola esteve realmente em jogo durante um jogo de 90 minutos aumentou em média 43 segundos, para pouco mais de 51 minutos. Menos debates sobre decisões significam discussões menos longas.

Afinal, é mais difícil discutir com um vídeo do que com um ser humano. Mas isso não significa que seja impossível, e a chave para a FIFA e todos os outros que avançarem é garantir que o espírito das novas regras que permitem o videoárbitro seja respeitado.

Ele deve ser usado somente quando os árbitros oficiais tiverem cometido um erro "claro e óbvio".

Foi esse o cerne do argumento australiano no sábado em Kazan, quando o atacante francês Antoine Griezmann caiu depois do contacto com o defesa australiano Joshua Risdon, que pontapeou o calcanhar esquerdo daquele depois de uma entrada dura sobre Griezmann na grande área australiana.

O árbitro uruguaio da partida, Andrés Cunha, não marcou falta, mas na paragem seguinte do jogo, após ser alertado para um possível erro através do auricular ligado a um assistente de vídeo que monitorizava a partida em Moscovo, Cunha foi para a linha lateral e assistiu a repetições relevantes do lance. Note-se que, mesmo com o sistema de videoárbitro, ele ainda tem a palavra final.

Neste caso, após regressar ao campo, Cunha concedeu um penálti a França, além de ter mostrado um cartão amarelo a Risdon. Griezmann marcou e deu a França o seu primeiro golo.

Mais tarde, Risdon insistiu que tinha tocado na bola com o pé direito esticado antes do contacto com Griezmann. "A minha opinião é que, obviamente, se é uma decisão errada evidente, então pode ser mudada, mas eu senti que definitivamente tinha a bola, portanto não acho que tenha sido uma decisão errada", disse Risdon, argumentando que parece ter havido "uma área cinzenta".

A rede de televisão australiana Optus Sport informou mais tarde que, depois de ver as imagens de um ângulo da câmara não utilizado pelo videoárbitro, o contacto de Risdon com a bola foi indiscutível, e que ele desviou a bola de Griezmann, batendo-lhe muito à frente do francês, para lhe chegar antes que o guarda-redes da Austrália, Matthew Ryan, a apanhasse.

Bert van Marwijk, técnico da Austrália, disse que sentiu a hesitação de Cunha quando este analisou as filmagens na linha lateral. "Eu vi-o ali parado e ele estava com dúvidas", disse Van Marwijk. "Eu sei que ele é humano, por isso estava ali a pensar: "Eu não sei." Ele viu que não tinha sido penálti e agora era, "eu não sei". Então, ele tem de escolher entre a França e a Austrália." Cunha, de acordo com a política da FIFA, não esteve disponível para confirmar ou negar a interpretação de Van Marwijk. Mas Risdon claramente atingiu a perna de Griezmann e, com a mesma clareza, quanto menos áreas cinzentas envolvidas, melhor para todos os envolvidos.